A recente proposta da VLI S.A. apresentada à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), visando modificar o contrato de concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), suscita preocupações relevantes, principalmente em relação aos impactos para outras ferrovias, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), e para projetos estratégicos, como o Porto Sul em Ilhéus. Ao propor a redução da malha ferroviária e a adequação de bitola em determinados trechos, a VLI, embora tenha motivos internos para essa decisão, coloca em risco a eficiência logística do Brasil, prejudicando diretamente o desenvolvimento de regiões dependentes do transporte ferroviário.
A VLI é uma das maiores operadoras de logística integrada do Brasil, com controle de uma vasta rede de ativos ferroviários, portuários e intermodais. Sua malha ferroviária abrange cerca de 8.000 km por meio da FCA e da Ferrovia Norte-Sul (FNS), além de operar em estados estratégicos para o escoamento de minérios, grãos e produtos siderúrgicos. O peso econômico e estratégico da VLI é reforçado por sua estrutura acionária robusta, composta por grandes players como Brookfield, Vale, BNDES e Mitsui.
Por outro lado, a FIOL, ainda em construção, é essencial para o desenvolvimento do Corredor Oeste-Leste, ligando o interior produtivo do Brasil ao Porto Sul, em Ilhéus. Como sabemos, este projeto visa consolidar um corredor logístico para exportação de minério de ferro, grãos e outros produtos agrícolas, reduzindo custos e otimizando fluxos comerciais.
A proposta da VLI, que busca reduzir trechos da malha da FCA e alterar bitolas para unificação, pode gerar uma série de impactos negativos para a FIOL e, por consequência, para o Porto Sul.
O que à primeira vista pode parecer uma vantagem logística, e é, na visão da VLI, trás para a FIOL uma armadilha gigantesca. Vejamos: A FIOL foi projetada com bitola larga de1,60 m, enquanto grande parte da FCA utiliza bitola métrica de1,00 m. Alterações nas bitolas da FCA, alinhadas com a FIOL, inevitavelmente desviará cargas na confluência das duas ferrovias na altura de Tanhaçú, levando parte destas para o Porto de Aratú, que, por ser bem equipado para carga geral certamente absorverá grande fatia desse fluxo, que seria destinado ao Porto Sul. Até mesmo cargas de minério poderão ser desviadas, e nesse caso, "adeus Porto Sul".
A Bahia, estado que abrigará o Porto Sul, é altamente dependente de infraestrutura logística eficiente para escoar sua produção agrícola e mineral. Qualquer perda de eficiência ferroviária pode desestimular investimentos na região, comprometendo o potencial econômico e social do projeto FIOL-Porto Sul.
Embora a VLI tenha recursos e capacidade técnica consideráveis, sua proposta pode consolidar um modelo logístico que prioriza a viabilidade econômica de trechos menos lucrativos às custas do desvio de cargas para sua malha, prejudicando a FIOL, que ainda está em fase de implantação e necessita de um traçado robusto para garantir sua viabilidade econômica.
O Porto Sul, em Ilhéus, é um projeto estratégico não apenas para a Bahia, mas para o Brasil, oferecendo uma nova porta de saída para exportação de commodities e minérios do interior. Seu sucesso depende diretamente da eficiência da FIOL. Caso a VLI altere a bitola, o escoamento de cargas destinadas ao Porto Sul pode ser prejudicado, limitando a competitividade do porto e afetando negativamente sua viabilidade econômica.
A proposta da VLI para a FCA deve ser analisada com cautela pela ANTT, considerando os impactos sistêmicos para outras ferrovias e projetos logísticos no Brasil. FIOL é essencial para garantir um modelo logístico eficiente e competitivo, especialmente em um país de dimensões continentais como o Brasil.
Recomenda-se que a ANTT exija estudos mais aprofundados sobre os impactos dessa proposta no contexto da FIOL e do Porto Sul. Além disso, seria importante alinhar os projetos da VLI com a estratégia nacional de transporte, garantindo a compatibilidade técnica e a conectividade modal necessárias para o sucesso da logística integrada no Brasil. Apenas assim será possível evitar que decisões isoladas comprometam projetos estratégicos de longo prazo, como a FIOL e o Porto Sul, que são fundamentais para o desenvolvimento econômico e social da Bahia e do Brasil.
Como a proposta da VLI visa apenas seu interesse econômico, beneficiando suas operações e consequentemente gerando vantagem competitiva para o Porto de Aratú, que também é Bahia, quem nos defenderá? O prefeito eleito Valderico Junior pode abraçar essa causa e alertar sobre o risco que corremos.
(*) Ex-secretário de Planejamento e Infraestrutura da Prefeitura de Ilhéus, Isaac Albagli